terça-feira, 4 de março de 2008



Carlos Drummond de Andrade


Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice,

que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

E ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

E nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.

4 comentários:

Anônimo disse...

Nem me fale...

Leticia disse...

Linda e triste a poesia...

Anônimo disse...

Cadê você, fio? Saudadinha!

Thiago disse...

FLA:
prometo que apareço, bjos lindinha!!